sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Resenha: "Carta a D. - história de um amor" (André Gorz, 2006)

Cosac Naify (2006): 80 páginas
“Preciso reconstruir a história do nosso amor para apreender todo o seu significado. Ela foi o que permitiu que nos tornássemos o que somos; um pelo outro, um para o outro. Eu lhe escrevo para entender o que vivi, o que vivemos juntos.”

Até o lançamento deste que foi seu último livro, o austríaco André Gorz (pseudônimo do jornalista e filósofo Gerhard Horst) era conhecido por suas obras nas áreas da filosofia e da sociologia, bem como por sua atuação política nos acontecimentos de Maio de 68 na França e em outros eventos marcantes da cultura deste país, onde se radicou.

Carta a D. transformou-o instantaneamente num enorme sucesso literário, com mais de cem mil exemplares vendidos.

O livro foi escrito para homenagear Dorine, sua esposa, com quem partilhou a vida por quase sessenta anos. Desde o início da década de 1990, Gorz vivia em retiro com a mulher, que sofria, há anos, de uma doença degenerativa.

André  e Dorine Gorz
Os dois viveram uma grande história de amor, companheirismo e militância, após terem se conhecido em Lausanne (Suíça), em outubro de 1947.
 
Carta a D. é do princípio ao fim uma declaração de amor, na qual a trajetória intelectual do autor é revisitada. Discípulo de Sartre e cofundador da revista Le Nouvel Observateur, Gorz era um crítico radical da mercantilização das relações sociais, contrário à crença no trabalho assalariado, além de ser autor de vários livros sobre ecologia.
Conforme se anuncia desde suas primeiras linhas, Carta a D. é fortemente marcada por extrema intensidade de sentimentos.

Com o agravamento irremediável da doença de Dorine, suicidaram-se com uma injeção letal e seus corpos foram encontrados lado a lado em 24 de setembro de 2007.

André e Dorine Gorz (1923 - 2007)
“À noite eu vejo, às vezes, a silhueta de um homem que, numa estrada vazia e numa paisagem deserta, anda atrás de um carro fúnebre. Eu sou esse homem. É você que esse carro leva. Não quero assistir à sua cremação; nem quero receber a urna com as suas cinzas. Ouço a voz de Kathleen Ferrier cantando: ‘O mundo está vazio, não quero mais viver’, e desperto. Eu vigio a sua respiração, minha mão toca você. Nós desejaríamos não sobreviver um à morte do outro. Dissemo-nos sempre, por impossível que seja, que, se tivéssemos uma segunda vida, iríamos querer passá-la juntos.”
(Por Thiago Rabelo Maia)


Um comentário:

  1. Pela última citação, imagino que não foi o amor que o levou a se suicidar com a esposa, mas uma desesperação subjacente sobre a própria vida. Dizer que "é você que ...", "sua cremação", "suas cinzas"... parece denunciar uma crença na exclusiva materialidade do ser humano, nenhum outro ideal, esperança... nenhuma fé em que sejamos algo mais... especialmente quando diz "por impossível que seja"... Para ele, a morte é o fim e tudo o que ele e a amada eram: apenas matéria combustível para fazer cinzas. No âmbito dessa desesperança, até o amor parece pequeno, não? Porque esse amor é um mero fenômeno físico entre seres meramente físicos... Não deveria ter sido o contrário, o amor acendendo a fé, tocando essa faculdade humana de esperar mais, de se recusar a ser finito e sem propósito? Como pensador, filósofo, intelectual... será mesmo mais racional para os fins de uma existência, que se pretenda eficazmente feliz do começo ao fim, tomar como verdade final os cálculos (geralmente equivocados) da mente humana, quando contradizem o que o âmago do ser afirma ("não pode ser o fim!"), levando a condutas menos produtivas para o próprio bem-estar e para com a sociedade (quanto mais eles não teriam a nos ensinar!)?

    É fácil falar... admito... Nenhuma recriminação a Gorz... apenas pra refletirmos sobre o papel do amor na fé, na vida e na morte.

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