sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Resenha: Reencarnação - vinte casos (Ian Stevenson, 1974)

Vida & Consciência (2011), 520 páginas
"No dia 19 de janeiro de 1951, Ashok Kumar, conhecido como Munna, filho de seis anos de Sri Jageshwar Prasad, [...] foi atraído para longe do local onde brincava e brutalmente assassinado, com uma faca ou lâmina, por dois vizinhos [...] Alguns anos depois, [o pai] ficou sabendo que um menino nascido em outro Distrito de Kanauj, em julho de 1951 [...] havia descrito a si mesmo como o filho de Jageshwar, um barbeiro do Distrito de Chhipatti, e havia dado detalhes de 'seu' assassinato, dizendo o nome dos assassinos, o local do crime e outras circunstâncias da cidade e da morte Munna" (O caso de Ravi Shankar).

Foi no livro "A explicação do inexplicável" (Explaining the Unexplained: Mysteries of the Paranormal, 1982) que tomei conhecimento das pesquisas do psiquiatra canadense Ian Stevenson a respeito da reencarnação. O psicólogo britânico Carl Sargent e o psiquiatra alemão Hans Jürgen Eysenck apresentam naquela obra diversas evidências (ou pelo menos indícios intrigantes) da sobrevivência da alma após a morte do corpo físico, como os fenômenos de poltergeist, as experiências de quase morte (EQM), experimentos do tipo ganzfeld (percepção extrassensorial), comunicações mediúnicas e, finalmente, relatos de lembranças de vidas passadas investigados por diversos cientistas ao redor do mundo, mas com destaque para o pioneirismo de Stevenson. "O que mais qualifica o trabalho de Stevenson é seu profissionalismo próximo do intimidante", comentam. De fato, em cerca de 50 anos de diligência, mais de 2.500 casos foram catalogados com cuidado obsessivo. Embora cauteloso quando aos dados levantados nesse incipiente campo de pesquisa, Stevenson chega a afirmar com segurança que "alguns dos [vinte] casos [deste livro] fazem muito mais do que sugerir a reencarnação: parecem oferecer boas provas".

Ian Stevenson
(1918 - 2007)
Esta 1ª. edição brasileira começa com um artigo de Stevenson para o Journal of Scientific Exploration, meses antes de sua morte, em 2007, que nos conta um pouco de sua história nesse ramo fortemente ojerizado nos meios acadêmicos (desejava-se "uma distância isolada entre nossa pesquisa e a respeitabilidade") e sua perseverança apoiada por um mecenas insuspeito, que não só o financiou diretamente como permitiu a criação de uma divisão de parapsicologia no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Virgínia (EUA). Este já era um "antigo interesse" pelo qual tinha "permanente admiração". "Por vários séculos, os fenômenos atualmente descritos como paranormais sempre ocorreram e foram relatados". E ele compreendia que "o ceticismo sobre [certas] hipóteses relacionadas a fenômenos paranormais não [exclui] a aceitação de outra evidência". Dessa forma, os chamados "casos espontâneos", disse ele, "impressionaram-me profundamente", e foi nos relatos de crianças que se lembravam de vidas passadas que foi verificar a existência dessas evidências aceitáveis.

Contrariamente dos estudos baseados em hipnose, os casos espontâneos exigem grande aparato logístico para efetuar um trabalho meio de detetive, meio de psiquiatra. Descobrir onde há relatos, viajar para lá, prover-se de intérpretes, às vezes dois ou três simultaneamente, lançar mão de gravador, ou de técnicas menos coercitivas de entrevista, buscar testemunhas, escrutinar suas intenções ao sustentar o relato, etc., requer um esforço ingente. Stevenson fala como procedeu, os cuidados que tomou, e o progresso que fez a ponto de praticamente criar um novo ramo de estudo, com protocolo próprio de análise científica. Na Introdução, ele aborda, dentre outras questões, a da influência geográfica/cultural na disponibilidade de casos, a diferença entre casos experimentais (via hipnose) e espontâneos; os métodos de estudo, os problemas de discrepâncias entre testemunhas (na verdade, "menor do que pensei que seria") e as causas de contradições, a possibilidade de problema de tradução, de erros nos registros, de falhas de memória, etc.

Os últimos capítulos tratam mais profundamente da análise propriamente dita. Basicamente esmiúça duas linhas de hipóteses, as normais e as paranormais. Dentre as hipóteses normais, Stevenson inicia pela de fraude; trata em seguida da criptomnésia, a hipótese de que "a criança de algum modo teria conhecido uma pessoa ou outra fonte de informação que ela posteriormente se 'lembrou' a respeito de sua suposta família anterior"; e termina com a teoria da "memória" genética, segundo a qual uma criança poderia se lembrar de eventos vividos por ancestrais. Não encontrando como explicar satisfatoriamente os casos apresentados pelas hipóteses normais, Stevenson avança para as hipóteses paranormais, que são de dois grupos, discriminados pela suposição da sobrevivência ou não da personalidade à morte. Sem a sobrevivência, são analisadas longamente as questões em torno da percepção extrassensorial (PES). Porém, e é para lá que se encaminham as conclusões do autor, é na reencarnação, isto é, na sobrevivência da personalidade de uma pessoa morta, que se encontram melhor explicados, não tanto os meros aspectos informacionais dos casos, mas principalmente, e mais contundentes, os aspectos comportamentais, incluindo aí os surpreendentes casos de manifestação de habilidades sem prévia aprendizagem. 

Jovem bengali dançando
Manipuri (Bangladesh)
O miolo do livro, sua maior parte, descreve minuciosamente cada um dos vinte casos sugestivos de reencarnação distribuídos em sete casos da Índia, três casos do Sri Lanka (na época Ceilão), dois do Brasil, sete entre os esquimós tlingit do Alaska e um no Líbano. No corpo de cada caso, o autor descreve brevemente os eventos principais que o caracterizam e depois discute longamente seus diversos aspectos e possibilidades. Ele organiza em tabelas, para cada caso, um resumo de afirmações e reconhecimentos feitos pelas crianças estudadas, com quatro colunas: item, informantes, verificação e comentários. O caso de Ravi Shankar, ocorrido na Índia, por exemplo, possui 26 itens, como os seguintes: "Ele era filho de Jageshawar e foi morto, tendo a garganta cortada"; "Ele foi assassinado perto do Templo Chintamini", "Ele tinha um brinquedo do deus Krishna em sua casa", "Reconhecimento de Chaturi, suposto assassino de Munna", "Reconhecimento da avó materna de Munna", etc. Outro caso indiano é o da menina Swarnlata. Além dos 49 itens tabelados, seu caso se destaca por uma habilidade: ela sabia uma dança, e canções, de outra região, de Bangladesh, onde se fala bengali, sendo que havia nascido numa região onde se falava exclusivamente hindi. O relatório mostra o texto de três canções, duas delas identificadas como poemas de Rabindranath Tagore, poeta bengali, usados numa escola de dança para meninas ricas. É um caso da chamada xenoglossia recitativa.

Moças tlingit (Alaska, 1903)
O Ceilão nos fornece um caso, o de Wijeratne, em que o menino se lembra de ter matado a própria esposa em sua vida anterior como Ratran Hami. Nos 27 itens, figura que se lembrava de ter ido para casa, afiado uma kris (punhal malaio), e voltado para apunhalar Podi Menike no seio direito. Ele se lembrava de que "um dia antes de sua execução, um saco de areia foi pendurado na forca" e que "um pano preto foi colocado na cabeça dele antes de o alçapão ser aberto". Outro caso do Ceilão, o de Gnanatilleka, faz parte dos cerca de 5% dos até então investigados em que houve mudança de sexo entre uma encarnação e outra, segundo as lembranças (e o comportamento) da criança. O caso de Paulo Lorenz, no Brasil, também faz parte desse número. Entre os esquimós, aparecem casos de nascimento anunciado por sonho, e de marcas de nascença, como no caso de Corliss Chotkin Jr. "A ocorrência dessas marcas de nascença parece mais bem justificada pela existência de influência, no corpo em desenvolvimento de Corliss, de alguma memória anterior. E uma vez que que as marcas de nascença do corpo de Corliss, em seu nascimento, correspondia (uma definitiva e a outra, provável) às cicatrizes adquiridas de Victor Vincente, que ele mostrara quando previu seu renascimento, então, acredito que isso é um indício de que a influência no corpo embrionário de Corliss proveio da mente falecida de Victor Vincent". Claro, Stevenson trabalha melhor essa questão nas discussões finais do livro.

Os drusos são uma comunidade social e religiosa com raízes no ismaelismo", ramo do islamismo xiita, que incorpora, dentre outros elementos, filosofias gnósticas e  neoplatônicas, criando uma distinta teologia com viés esotérico (Fonte: Wikipédia, "Druze"). A reencarnação é crença bem estabelecida entre os drusos.

O caso final, o de Imad Elawar, um menino druso do Líbano, é um dos mais impressionantes. Esse foi o caso apresentado por Sargent e Eysenck para exemplificar o trabalho de Stevenson. "Quando ele tinha entre um ano e meio e dois anos, ele passou a fazer referências a uma vida anterior. Mencionava um número considerável de nomes de pessoas e alguns acontecimentos daquela vida, além de vários itens a respeito de um propriedade que dizia ter tido". Às vezes ele falava sozinho, ou dormindo. "Certo dia, um morador [...] do vilarejo de Khriby, onde Imad dizia ter vivido, foi a Kornayel e Imad, vendo-o na rua, reconheceu-o na presença de sua avó paterna." Um dos diferenciais desse caso é que os pais do menino "não tomaram providências para averiguar suas declarações" e, dessa forma, Stevenson pôde trabalhar num caso quase cru, em que "os erros nas conclusões tiradas pela família de Imad [contribuíram], consideravelmente, para a evidência de sua honestidade". A tabela mostra 73 itens de afirmações e reconhecimentos, entre os quais, suas duas primeiras palavras, "Jamileh" e "Mahmoud". O segundo teria sido um tio em outra vida. A primeira, uma desconcertante revelação: sua amante, uma mulher muito bonita, de quem dava várias informações.

Stevenson acompanhou boa parte dos casos por anos, e fez, sempre que possível, revisita às crianças (já crescidas) dos casos estudados. Sobre isso, também traz anotações interessantes sobre o efeito dessas lembranças em suas vidas, e nas nossas, como elemento de novas implicações existenciais. Em parte, corroborando com as conseqüências morais que tal crença e, mais ainda, tal fato, têm sobre nossas vidas, tanto no campo biológico como na experiência da vida atual. O prólogo do filósofo C. J. Ducasse já nos mostra uma dessas linhas de pensamento, defendida por muitas religiões: A "teoria da transmigração de almas é maravilhosamente adaptada para explicar o aparente caos de desigualdade moral, de injustiça e dos muitos males apresentados no mundo da vida humana". E, claro, para essa vida, uma grande esperança em face da morte.

Como cientista, Stevenson procura enfatizar a necessidade de mais estudos. Quem sabe a nova leva de pesquisadores, alguns dos quais seus continuadores, não trarão mais e mais informações que permitam validar definitivamente esse intrigante fenômeno? Antonia Mills, Jim Tucker, Satwant Pasricha, Jürgen Keil, Erlendur Haraldson, Ellen Wambach, Brian Weiss, entre outros, estão trabalhando... Fiquemos de olho! 

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