quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Palestra da Bienal: Tipos de leitores e seus perfis cognitivos

TIPOS DE LEITORES E SEUS PERFIS COGNITIVOS
PAPEL DO LIVRO E DA LEITURA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Palestrante: Lúcia Santaella 


Quando a palestrante, Lúcia Santaella, iniciou a sua apresentação, mostrando o primeiro slide, imaginei que estava na sala errada, pois o tema da palestra não era exatamente o mesmo que constava na programação, para aquela sala e horário. Sim, pois o título de chamada era O PAPEL DO LIVRO E DA LEITURA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, mas no slide constava: TIPOS DE LEITORES E SEUS PERFIS COGNITIVOS. Realmente são temas diversos, mas que se aproximam e se entrecruzam, pois seria impossível explicar os tipos de leitores sem falar do papel do livro e da leitura na sociedade contemporânea. Assim, fiquei ainda mais curioso e resolvi assistir a palestra, principalmente após ouvir as qualificações e a quantidade de livros e artigos já escritos pela palestrante: mais de 40 livros e 167 artigos.

Para Lúcia Santaella, somos leitores de formas, volumes, direções de linhas, traços, cores, gráficos, imagens, sinais, setas, números, luzes, etc. Ignorar isso seria imaginar que vivemos com os olhos vedados. A profusão de códigos, linguagens, mensagens, que nos circundam em cada instante e em cada canto do nosso cotidiano, está criando novas formas e estruturas de pensamento, outros modos de ver e apalpar o mundo. Ao invés de vermos esses outros processos de leitura como inimigos viscerais da linguagem verbal, devemos buscar enxergar as possíveis riquezas de seus entrecruzamentos.


Dentro deste contexto, em 2003, Lúcia Santaella realizou uma pesquisa de campo, buscando sintetizar os diferentes modos de ler. Através desta pesquisa, publicada em 2004*, Lúcia Santaella estabeleceu quatro tipos básicos de leitores, que pareciam ter o poder de englobar todos os demais: o contemplativo, o movente, o imersivo e o ubíquo.


O leitor contemplativo seria o leitor de textos impressos, cuja prática acompanhou o histórico do livro, prática esta que foi se tornando cada vez mais frequente a partir do século XVI e que se caracterizou pela leitura silenciosa, individual e solitária. Cria-se assim uma relação íntima entre o leitor e o livro. Paralelamente tem-se aí uma relação proximidade e de distância ao mesmo tempo, pois a leitura exige a reclusão para a concentração mental, mas exige também o desenvolvimento da capacidade de vivenciar situações e compartilhar pensamentos sem a necessidade da presença física naquilo que o texto evoca.


O leitor do jornal e o espectador de cinema estão longe de ter o mesmo perfil cognitivo do leitor contemplativo. Trata-se de um novo perfil cujo ritmo de percepção e atenção mudou de marcha, adaptada à aceleração e burburinho dos grandes centros urbanos. O que se tem aí é um novo tipo de leitor, treinado nas distrações fugazes e sensações evanescentes cuja percepção se tornou uma atividade instável, de intensidades desiguais. Leitor apressado de linguagem efêmera, híbrida, misturada, que o jornal inaugurou, levando consigo um leitor fugaz, novidadeiro, de memória curta, mas ágil. Há uma isomorfia entre o modo como esse leitor se move na grande cidade, no movimento do trem, do metrô, dos ônibus e do carro e o movimento das câmaras de cinema. Um olhar retrospectivo nos revela que esse leitor movente foi preparando a sensibilidade perceptiva humana para o surgimento do leitor imersivo, que navega entre o nós e conexões alineares dos espaços informacionais da internet.


O leitor imersivo é o tipo de leitor cujo perfil se define como aquele que pratica estratégias de navegação pelas redes informacionais. Lucia Santaella ainda subdividiu o leitor imersivo em três categorias: o adivinho, o detetive e o previdente. O adivinho é aquele que navega em estado de errância, perambulando meio sem rumo pelas redes, fazendo descobertas se alegrando com elas. O detetive é aquele que segue as pistas de que as redes estão repletas. E, finalmente, o previdente é aquele que já conhece todas as manhas do jogo.


O leitor obíquo está continuamente situado nas interfaces de duas presenças simultâneas, a física e a virtual, interfaces que reinventam o corpo, a arquiquetura, o uso do espaço urbano e as relações complexas nas formas do habitar, o que repercute nas esferas de trabalho, de entretenimento, nas esferas de serviços, de mercado, de acesso e troca de informação, de transmissão de conhecimento e do aprendizado.


Lúcia Santaella ainda enfatizou complementaridade dos quatro tipos de leitores. Para ela um tipo de leitor não substitui o outro. São perfis cognitivos distintos que cada um deles desenvolve, de modo que esses tipos de leitores devem ser muito mais complementares do que excludentes.


Após a palestra, revendo as características de cada um dos leitores, fiquei imaginando que tipo de leitor seria eu dentro da classificação proposta por Lúcia Santaella. Se por um lado gosto de ler bons livros, também leio jornais e revistas e gosto de surfar pela internet. Seria eu um misto dos três tipos de leitores: o contemplativo, o movente e o imersivo? Penso que fico oscilando entre estes três tipos de leitores, embora, se pudesse escolher, gostaria mais de ler livros e permanecer no tipo contemplativo mesmo. Quando estou no imersivo, acho que as vezes sou o adivinho, às vezes sou o detetive e outras o previdente. Difícil não ser todos alguma vez que outra. 

E você caro leitor, com qual destes tipos de leitores você mais se identifica?



Sobre a palestrante:


Lucia Santaella é pesquisadora 1A do CNPq, graduada em Letras Português e Inglês. Professora titular no programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP, com doutoramento em Teoria Literária na PUCSP em 1973 e Livre-Docência em Ciências da Comunicação na ECA/USP em 1993. É Coordenadora da Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, Diretora do CIMID, Centro de Investigação em Mídias Digitais e Coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos, na PUCSP. É presidente honorária da Federação Latino-Americana de Semiótica e Membro Executivo da Associación Mundial de Semiótica Massmediática y Comunicación Global, México, desde 2004. É correspondente brasileira da Academia Argentina de Belas Artes, eleita em 2002. Foi eleita presidente para 2007 da Charles S. Peirce Society, USA. É também um dos membros do Advisory Board do Peirce Edition Project em Indianapolis, USA e um dos membros do Bureau de Coordenadores Regionais do International Communicology Institute. Foi ainda membro associado do Interdisziplinäre Arbeitsgruppe für Kulturforschung (Centro de Pesquisa Interdisciplinar em Cultura), Universidade de Kassel, 1999-2009. Recebeu o prêmio Jabuti em 2002, em 2009 e 2011, o Prêmio Sergio Motta, Liber, em Arte e Tecnologia, em 2005 e o prêmio Luiz Beltrão-maturidde acadêmica, em 2010. Foi professora convidada pelo DAAD na Universidade Livre de Berlin, em 1987, na Universidade de Valencia, em 2004, na Universidade de Kassel, em 2009 e na Universidade de Évora em 2010. Foi pesquisadora associada no Research Center for Language and Semiotic Studies em Bloomington, Universidade de Indiana, em repetidos estágios de pesquisa, especialmente em 1988, pela Fulbright, Nessa mesma universidade, fez pós-doutorado em 1993, pelo CNPq. Desde 1996, tem feito estágios de pós-doutorado em Kassel, Berlin e Dagstuhl, Alemanha, sob os auspícios do DAAD/Fapesp. 206 mestres e doutores defenderam suas dissertações e teses sob sua orientação, de 1978 até o presente e supervisionou 5 pós-doutorados. Tem 41 livros publicados, dentre os quais 6 são em co-autoria e dois de estudos críticos. Organizou também a edição de 11 livros. Além dos livros, Lucia Santaella tem perto de 300 artigos publicados em periódicos científicos no Brasil e no Exterior. Suas áreas mais recentes de pesquisa são: Comunicação, Semiótica Cognitiva e Computacional, Estéticas Tecnológicas e Filosofia e Metodologia da Ciência.







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