TIPOS
DE LEITORES E SEUS PERFIS COGNITIVOS
PAPEL DO LIVRO E DA LEITURA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Palestrante: Lúcia Santaella
Quando a palestrante, Lúcia Santaella,
iniciou a sua apresentação, mostrando o primeiro slide, imaginei
que estava na sala errada, pois o tema da palestra não era
exatamente o mesmo que constava na programação, para aquela sala e
horário. Sim, pois o título de chamada era O
PAPEL DO LIVRO E DA LEITURA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA,
mas no slide constava: TIPOS
DE LEITORES E SEUS PERFIS COGNITIVOS.
Realmente são temas diversos, mas que se aproximam e se entrecruzam,
pois seria impossível explicar os tipos de leitores sem falar do
papel do livro e da leitura na sociedade contemporânea. Assim,
fiquei ainda mais curioso e resolvi assistir a palestra,
principalmente após ouvir as qualificações e a quantidade de
livros e artigos já escritos pela palestrante: mais de 40 livros e
167 artigos.
Para Lúcia Santaella, somos leitores de
formas, volumes, direções de linhas, traços, cores, gráficos,
imagens, sinais, setas, números, luzes, etc. Ignorar isso seria
imaginar que vivemos com os olhos vedados. A profusão de códigos,
linguagens, mensagens, que nos circundam em cada instante e em cada
canto do nosso cotidiano, está criando novas formas e estruturas de
pensamento, outros modos de ver e apalpar
o mundo. Ao invés de vermos esses outros processos de leitura como
inimigos viscerais da linguagem verbal, devemos buscar enxergar as
possíveis riquezas de seus entrecruzamentos.
Dentro deste contexto, em 2003, Lúcia
Santaella realizou uma pesquisa de
campo, buscando sintetizar os diferentes modos de ler. Através desta
pesquisa, publicada em 2004*, Lúcia Santaella estabeleceu quatro
tipos básicos de leitores, que pareciam ter o poder de englobar
todos os demais: o contemplativo, o movente, o imersivo e o ubíquo.
O leitor contemplativo seria o leitor de textos impressos,
cuja prática acompanhou o histórico do livro, prática esta que foi
se tornando cada vez mais frequente a partir do século XVI e que se
caracterizou pela leitura silenciosa, individual e solitária.
Cria-se assim uma relação íntima entre o leitor e o livro.
Paralelamente tem-se aí uma relação proximidade e de distância ao
mesmo tempo, pois a leitura exige a reclusão para a concentração
mental, mas exige também o desenvolvimento da capacidade de
vivenciar situações e compartilhar pensamentos sem a necessidade da
presença física naquilo que o texto evoca.
O leitor do jornal e o espectador de cinema estão longe de ter o
mesmo perfil cognitivo do leitor contemplativo. Trata-se de um novo
perfil cujo ritmo de percepção e atenção mudou de marcha,
adaptada à aceleração e burburinho dos grandes centros urbanos. O
que se tem aí é um novo tipo de leitor, treinado nas distrações
fugazes e sensações evanescentes cuja percepção se tornou uma
atividade instável, de intensidades desiguais. Leitor apressado de
linguagem efêmera, híbrida, misturada, que o jornal inaugurou,
levando consigo um leitor fugaz, novidadeiro, de memória curta, mas
ágil. Há uma isomorfia entre o modo como esse leitor se move na
grande cidade, no movimento do trem, do metrô, dos ônibus e do
carro e o movimento das câmaras de cinema. Um olhar retrospectivo
nos revela que esse leitor movente foi preparando a
sensibilidade perceptiva humana para o surgimento do leitor imersivo,
que navega entre o nós e conexões alineares dos espaços
informacionais da internet.
O leitor imersivo é o tipo de leitor cujo perfil se define
como aquele que pratica estratégias de navegação pelas redes
informacionais. Lucia Santaella ainda subdividiu o leitor imersivo
em três categorias: o adivinho, o detetive e o previdente. O adivinho
é aquele que navega em estado de errância, perambulando meio sem
rumo pelas redes, fazendo descobertas se alegrando com elas. O
detetive é aquele que segue as pistas de que as redes estão
repletas. E, finalmente, o previdente é aquele que já conhece todas
as manhas do jogo.
O leitor obíquo está continuamente situado nas interfaces de
duas presenças simultâneas, a física e a virtual, interfaces que
reinventam o corpo, a arquiquetura, o uso do espaço urbano e as
relações complexas nas formas do habitar, o que repercute nas
esferas de trabalho, de entretenimento, nas esferas de serviços, de
mercado, de acesso e troca de informação, de transmissão de
conhecimento e do aprendizado.
Lúcia Santaella ainda enfatizou complementaridade dos quatro tipos de
leitores. Para ela um tipo de leitor não substitui o outro. São
perfis cognitivos distintos que cada um deles desenvolve, de modo que
esses tipos de leitores devem ser muito mais complementares do que
excludentes.
Após a palestra, revendo as características de cada um dos leitores,
fiquei imaginando que tipo de leitor seria eu dentro da classificação
proposta por Lúcia Santaella. Se por um lado gosto de ler bons
livros, também leio jornais e revistas e gosto de surfar pela
internet. Seria eu um misto dos três tipos de leitores: o
contemplativo, o movente e o imersivo? Penso que fico oscilando entre
estes três tipos de leitores, embora, se pudesse escolher, gostaria
mais de ler livros e permanecer no tipo contemplativo mesmo. Quando
estou no imersivo, acho que as vezes sou o adivinho, às vezes sou o
detetive e outras o previdente. Difícil não ser todos alguma vez
que outra.
E você caro leitor, com qual destes tipos de leitores
você mais se identifica?
Sobre
a palestrante:
Lucia
Santaella é pesquisadora 1A do CNPq, graduada em Letras Português
e Inglês. Professora titular no programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Semiótica da PUCSP, com doutoramento em Teoria
Literária na PUCSP em 1973 e Livre-Docência em Ciências da
Comunicação na ECA/USP em 1993. É Coordenadora da Pós-graduação
em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, Diretora do CIMID,
Centro de Investigação em Mídias Digitais e Coordenadora do Centro
de Estudos Peirceanos, na PUCSP. É presidente honorária da
Federação Latino-Americana de Semiótica e Membro Executivo da
Associación Mundial de Semiótica Massmediática y Comunicación
Global, México, desde 2004. É correspondente brasileira da Academia
Argentina de Belas Artes, eleita em 2002. Foi eleita presidente para
2007 da Charles S. Peirce Society, USA. É também um dos membros do
Advisory Board do Peirce Edition Project em Indianapolis, USA e um
dos membros do Bureau de Coordenadores Regionais do International
Communicology Institute. Foi ainda membro associado do
Interdisziplinäre Arbeitsgruppe für Kulturforschung (Centro de
Pesquisa Interdisciplinar em Cultura), Universidade de Kassel,
1999-2009. Recebeu o prêmio Jabuti em 2002, em 2009 e 2011, o Prêmio
Sergio Motta, Liber, em Arte e Tecnologia, em 2005 e o prêmio Luiz
Beltrão-maturidde acadêmica, em 2010. Foi professora convidada pelo
DAAD na Universidade Livre de Berlin, em 1987, na Universidade de
Valencia, em 2004, na Universidade de Kassel, em 2009 e na
Universidade de Évora em 2010. Foi pesquisadora associada no
Research Center for Language and Semiotic Studies em Bloomington,
Universidade de Indiana, em repetidos estágios de pesquisa,
especialmente em 1988, pela Fulbright, Nessa mesma universidade, fez
pós-doutorado em 1993, pelo CNPq. Desde 1996, tem feito estágios de
pós-doutorado em Kassel, Berlin e Dagstuhl, Alemanha, sob os
auspícios do DAAD/Fapesp. 206 mestres e doutores defenderam suas
dissertações e teses sob sua orientação, de 1978 até o presente
e supervisionou 5 pós-doutorados. Tem 41 livros publicados, dentre
os quais 6 são em co-autoria e dois de estudos críticos. Organizou
também a edição de 11 livros. Além dos livros, Lucia Santaella
tem perto de 300 artigos publicados em periódicos científicos no
Brasil e no Exterior. Suas áreas mais recentes de pesquisa são:
Comunicação, Semiótica Cognitiva e Computacional, Estéticas
Tecnológicas e Filosofia e Metodologia da Ciência.
e-mail:
Ibraga@pucsp.br
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