Record (2005), 132 páginas |
"No
ano que completei noventa anos, quis presentear-me com uma noite de
amor louco com uma adolescente virgem".
É assim, sem a menor cerimônia, que
Gabriel García Márquez apresenta a história do solitário
jornalista de um jornal provinciano que, ao completar 90 anos,
escolhe a luxúria como forma de provar a si e ao mundo que ainda
está vivo.
O título do livro, dependendo de grau de
moralismo de cada um, pode levar o leitor mais apressado a ficar com
um pé atrás e questionar se não está diante de uma história de
insólita libertinagem ou se o ganhador do Prêmio Nobel de
Literatura teria se transformado num velho safado.
Contudo, basta evoluir um pouco na leitura
para afastar essas impressões iniciais e perceber que nada disso se
confirma no decorrer da obra.
A história contada por García Marquez foi inspirada no livro A casa das belas adormecidas do Prêmio Nobel japonês Yasunari Kawabata, conforme revelado na própria epígrafe da obra.
Primeira obra de ficção do autor colombiano após longos dez anos de atividades literárias paralelas, Memória de Minhas Putas Tristes narra, em primeira pessoa, as memórias de um cronista e crítico musical que, a fim de celebrar seu aniversário de 90 anos, decide presentear-se com uma noite de amor louco com uma adolescente virgem.
Gabriel José García Márquez (1927 - 2014) |
Contudo, ao vê-la adormecida, não toma coragem para acordá-la e acaba apaixonando-se perdidamente pela jovem Delgadina, dando início a uma inesperada e surpreendente história de amor platônico que muda imediatamente sua vida.
Dessa forma, o antes embrutecido escritor de crônicas e resenhas enfadonhas e professor de gramática de alunos sem horizonte, que vivia uma existência medíocre perambulando em prostíbulos, ganha, enfim, o senso de humanidade e o ânimo para viver que tanto lhe faltaram e, nesse momento, se vê à beira da morte, mas não em função de sua idade, e sim pelo amor que o consome.
Para alguns, como Moacyr Scliar, Memória de Minhas Putas Tristes trata de uma reflexão romanceada sobre o amor na terceira idade. Para outros, é um hino de louvor à vida e, por extensão, ao amor, já que um não existe sem o outro no universo imaginário da literatura de García Márquez.
De fato, uma obra curta, que poucas horas são necessárias para concluir a leitura, todavia de uma impressão que nos incomoda. Por vezes ficava indignada, por vezes encantada: a ideia da pureza imersa num ambiente lascivo. Uma vida longa (noventa anos!) que pouca tem a oferecer, mas que encontra, numa inusitada situação, seu sentido. E, dentre tantas sentenças que nos chamam atenção e nos fazem valer a pena a leitura, gosto da seguinte: "Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minhas mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco." E como não continuar a leitura quando o protagonista diz: "O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança."
ResponderExcluirIronicamente, quando tão ciente de suas verdades e limitações, seguro do que esperar de si e dos outros... tamanha ironia encontrar o amor. Ainda o vejo como um velho safado que quer no dia do seu aniversário uma noite de luxúria com uma menina virgem... mas confesso que, no avançar da leitura, apesar dessa impressão, o despertar do amor o humaniza, ou melhor, aflora o que lhe vai no coração, ainda que tenha tentado por muitos anos destruir.
Leitores, ler bons escritores nos permite constatar o talento de juntar palavras num encadeamento que nos seduz até a última página do livro.
Obrigada, Thiago, pela resenha. Fica a dica. Abraços!
Leitura fácil, ligeira. O autor é "estiloso", sua redação cativa. Mas não gostei. É um livro que a gente lê, não perde o tempo gasto, mas deixa um ressaibo de equívoco. Não vejo amor nenhum na história. A presença da palavra, pra mim, é o único sinal do conceito, já que o comportamento do protagonista não é o de quem descobre o amor, mas de quem vive pela primeira vez o delírio do "éros", o amor carnal associado à posse, ao poder. Pela primeira vez ele sente desejo de possuir, isto é, ter sob seu poder, diferentemente do que tinha com a empregada, que ele possuía, isto é, usava, tinha o usufruto, mas descartava sem senso algum de vinculação. Posse, pra sermos "românticos", de qualquer forma é um tipo de vínculo. Esse vínculo, para o velhote SAFADO, era novidade.
ResponderExcluirAcredito que o velhote é o próprio autor... ou uma projeção dele mesmo. É que ele aborda o tema da perspectiva de "el macho", tal como em "Crônicas de uma morte anunciada"... as "chicas" estão ali pra serem desfrutadas mesmo, ... ele tem um fascínio por essa luz de lupanar... Pode-se dar outro nome mais comportado pra a coisa, mas há uma glorificação dessa "curtição"... ele fala do "membro" do velho, da reclamação da empregada ("ai, senhor, isso não é de entrar, é de sair") - que envelheceu virgem -, dum nonagenário que, bem, arriba o ... e está proto pra mais dez anos...
Sério, esse livro é uma fantasia do autor. Até o nome da garota, Delgadina ("delgada", "magrinha").... chiquitita de 14 ou 15 anos, frágil, dormindo... tudo isso pra dar uma aura de pedofilia...
O autor é o velho safado...
O estilo não supre a ausência de valor na mensagem... O que quer que alguém escreva, especialmente um laureado, que, se sentar pelado na areia, as pessoas vão ler e dizer "Ó!"... deve escrever com responsabilidade... Não é desse tipo de mensagem que o mundo precisa... dessa visão tosca de masculinidade (macho é pegar menininha até a velhice)... As pessoas já estão deturpadas por si mesmas pra pensarem assim sem inspiração literária...
Li em livro emprestado... mas talvez compre meu exemplar pra reler e reler... Por ora vejo-o como bom material para refletirmos que algo está muito errado com o que se anda pensando por aí sobre o que seja o amor, e igualmente errado com o o que se anda fazendo com a Literatura.
Agradeço ao Thiago a resenha, as obras recomendadas... porque a gente se enriquece não apenas com o que a gente concorda... mas também com as conversas que decerto teremos, pessoalmente, discutindo nossos pontos de vista conflitantes.
Abraços, parceiro!
Daniel, concordo no aspecto da conceituação do termo "amor". Há umas confusão que as pessoas fazem do aspecto passional ao do sentimento em si. Ainda, concordo que acho que se trata de um velho safado, aproveitando-se de uma menina que se submeteu à situação por necessidade. Mas o que extraio, considerando o meio lascivo e sem pudores em que ele vive (pois os personagens denotam ter a mesma percepção quanto a casualidade do "amor"), é que pela primeira vez há uma ternura. Não quer possuir, mas manter o encanto de algo que ele não consegue mensurar o valor (como todas as outras mulheres, mesmo não professionais, ele fazia questão de pagar o que ele considerava a altura do que havia recebido). É mais o cuidar do que o ter... tanto é que ele volta atrás (depois da cena de ciúmes) para retomar o que ele decidiu ser sua responsabilidade: cuidar da pequena (o que, pode ser ingenuidade minha, não vi como caráter sexual, mas sentimental).
ResponderExcluirE sim, precisamos de obras que falem mais do amor de compromisso, um amor que vai além da posse e satisfação da carne. Garanto que o mês de setembro teremos resenhas muito boas falando do amor, do dever, da responsabilidade e da amizade. Vale a pena continuar acompanhando as sugestões.
E, como disseste, se ainda assim a narrativa de um velho safado é algo que não te agrada, bem, vamos valorizar o talento do escritor na construção do enredo... no juntar das palavras. Pois foi isto que me fez terminar a leitura, apesar de ficar com raiva desse personagem já no primeiro parágrafo. Abraços!