Ed. BestBolso; 144 páginas |
"Assim, todos amavam Sidarta. A todos ele causava alegria. Para todos era fonte de prazer. Mas a si mesmo, Sidarta não dava alegria. Para si, não era nenhuma fonte de prazer."
A passagem acima é reveladora de um dos principais temas da obra de Hesse, pelo qual se tornou conhecido como "o autor da crise": a jornada do autoconhecimento através de dilemas existenciais. A esse respeito, sua própria vida proveu farto estofo de vicissitudes.
Quando morreu em 1962, Hesse era um dos autores alemães mais desprezados e esquecidos. Seus críticos diziam que "suas histórias eram uma colagem brega de baixo nível" e Die Zeit, famoso periódico alemão, afirmou que a obra de Hesse "não servia nem para vaso de flores". Nem o fato de ter sido laureado com o prêmio Nobel de Literatura em 1946, "por seus escritos inspirados que, ao ganharem em audácia e profundidade, exemplificam os ideais clássicos do humanismo e a alta qualidade do estilo", poupou Hesse, até após sua morte, da animosidade da opinião pública. E essa dificuldade já vinha de muito tempo.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Hesse se incomodou com a propaganda de guerra e publicou, em resposta, um artigo em jornal apelando "aos intelectuais alemães por menos polêmicas nacionalistas e mais humanidade". O artigo tomou o título de um poema de Schiller, imortalizado por Beethoven em sua famosa 9ª. Sinfonia, "O Freunde, nicht diese Töner" ("Ó amigos, não estes tons"), que traz em seus versos o reconhecimento da fraternidade universal e a chamada "milhões, abraçai-vos". A retaliação foi com ódio, ridicularização e perseguição. Hesse diria que desde seus "primeiros tímidos protestos contra a sugestão e a violência das massas" tinha sido "exposto a contínuos ataques e enxurradas de cartas abusivas vindas da Alemanha". Em 1924 rejeitou a cidadania alemã, naturalizando-se suíço, e, por essa época, sua obra foi proscrita na Alemanha nazista.
Hermann Hesse, 1927. |
Impossibilitado pela doença de comparecer à premiação do Nobel, Hesse escreveu uma carta a ser lida como "Discurso do Banquete" na qual transparece seu multiculturalismo pacifista, que guiou sua conduta e sua produção:
"Sinto-me familiarizado com a ideia [...] de que a mente é internacional e supra-nacional, que deve servir não à guerra e à aniquilação, mas à paz e à reconciliação. Meu ideal, contudo, não é o desfoque de características nacionais, que leve à uma humanidade intelectualmente uniforme. Pelo contrário! Longa vida à diversidade de todas as formas e cores nesta nossa querida Terra! Quão maravilhosa é a existência de muitas raças, muitos povos, muitas línguas e muitas variedades de atitude e aparências! Se sinto ódio e irreconciliável inimizade ante guerras, conquistas e anexações, sinto-o por diversas razões, mas também porque tantas realizações humanas, organicamente desenvolvidas, altamente individuais e ricamente diferenciadas, têm caído vítimas dessas potências tenebrosas. Odeio os grandes simplificadores e amo o senso de qualidade e de inimitável engenhosidade e singularidade."
Às guerras e à "batalha contra os micróbios da alma no campo da Literatura" juntam-se outros eventos traumáticos de sua vida, a começar pelo ambiente doméstico pietista em que foi criado, cuja educação "visava a subjugar e quebrar a personalidade individual". Chegou a ser enviado para um mosteiro para receber formação religiosa, seguindo a carreira dos pais que haviam sido missionários, mas fugiu e no ano seguinte, 1892, foi internado em uma clínica particular, onde tentou suicídio. Foi então encaminhado para um hospital psiquiátrico, "possuído pelo mal e pela perversidade [Teufelei]", onde seu quadro foi diagnosticado como melancolia. Uma segunda crise de depressão ocorreu por volta da 1ª. Guerra Mundial: uma grave doença contraída por seu filho mais novo, a morte do pai, a crise marital, a doença mental de sua esposa e a própria guerra levaram-no a procurar novamente tratamento psicológico, familiarizando-se então com a Psicologia Analítica de C.G. Jung.
Em 1911, pouco tempo antes da 2ª. crise, Hesse viajou para a "Índia". Seus pais haviam sido missionários lá, tendo sua mãe inclusive vivido muitos anos ali, e seu avô materno fora um eminente especialista em cultura indiana. "Há muitos anos estou convencido de que a inteligência ocidental está em decadência e precisa retornar a suas fontes asiáticas", disse em uma carta datada de 1919. "Durante muitos anos, fui admirador de Buda e me dediquei, já na infância, à literatura indiana." Na carta autobiográfica ao comitê do Prêmio Nobel, também afirmou que "dentre os filósofos ocidentais, fui mais influenciado por Platão, Spinoza, Schopenhauer e Nietzsche [...] mas não me influenciaram tanto quando a filosofia indiana e, depois, a chinesa". A viagem, no entanto, apenas tocou o subcontinente, tendo aportado de fato em ilhas da Indonésia, no Ceilão (atual Sri Lanka) e na Birmânia. A empreita foi decepcionante, mas daria frutos depois no romance "Sidarta" (1922).
Em 1911, pouco tempo antes da 2ª. crise, Hesse viajou para a "Índia". Seus pais haviam sido missionários lá, tendo sua mãe inclusive vivido muitos anos ali, e seu avô materno fora um eminente especialista em cultura indiana. "Há muitos anos estou convencido de que a inteligência ocidental está em decadência e precisa retornar a suas fontes asiáticas", disse em uma carta datada de 1919. "Durante muitos anos, fui admirador de Buda e me dediquei, já na infância, à literatura indiana." Na carta autobiográfica ao comitê do Prêmio Nobel, também afirmou que "dentre os filósofos ocidentais, fui mais influenciado por Platão, Spinoza, Schopenhauer e Nietzsche [...] mas não me influenciaram tanto quando a filosofia indiana e, depois, a chinesa". A viagem, no entanto, apenas tocou o subcontinente, tendo aportado de fato em ilhas da Indonésia, no Ceilão (atual Sri Lanka) e na Birmânia. A empreita foi decepcionante, mas daria frutos depois no romance "Sidarta" (1922).
Considerado "um dos primeiros escritores alemães a se livrar da influência política", Hesse, de fato, chegou a dizer que "humanitarismo e política sempre são mutuamente exclusivos" e que "não tenho nada a ver com política [...] meu único desejo é encontrar meu caminho para mim mesmo e para atos puramente espirituais". O trauma da infância pietista não o fizeram, contudo, afastar-se do Cristianismo, mas, nessa busca pessoal, caracterizada por uma "recusa de todo e qualquer dogmatismo", busca pela "religião fora, entre e acima das confissões, e que é indestrutível", Hesse "desenvolveu a noção de uma síntese entre as religiões na base de um misticismo universal", que unisse todos os povos e fosse a ponte de ligação entre o Oriente e o Ocidente.
"Sidarta", enfim, foi escrito por um homem de 45 anos, com vasto conhecimento filosófico dos dois hemisférios, auto-analista aparelhado pela psicologia junguiana, com vivência de crises existenciais, paternais e maritais, de tentativa de suicídio, de conflito bélico multinacional, de confronto com patrícios e abandono da própria nacionalidade, etc., e que "produziu sem se interessar em agradar o grande público". Se para a academia sueca "é principalmente como profundo filósofo e pela vigorosa crítica do período contemporâneo em suas histórias que Hesse merece o Prêmio Nobel", para o leitor de hoje, é principalmente por sua mensagem de alma para alma que Hesse merece a sempre renovada visita dos sequiosos leitores desta época de crise emocional e vacuidade de sentido.
"Sidarta", enfim, foi escrito por um homem de 45 anos, com vasto conhecimento filosófico dos dois hemisférios, auto-analista aparelhado pela psicologia junguiana, com vivência de crises existenciais, paternais e maritais, de tentativa de suicídio, de conflito bélico multinacional, de confronto com patrícios e abandono da própria nacionalidade, etc., e que "produziu sem se interessar em agradar o grande público". Se para a academia sueca "é principalmente como profundo filósofo e pela vigorosa crítica do período contemporâneo em suas histórias que Hesse merece o Prêmio Nobel", para o leitor de hoje, é principalmente por sua mensagem de alma para alma que Hesse merece a sempre renovada visita dos sequiosos leitores desta época de crise emocional e vacuidade de sentido.
"Que valor tinha toda essa sabedoria para quem ignorava aquilo que era uno e único, o mais importante, ao lado do qual coisa alguma tinha importância?" |
"Possivelmente, criaturas como nós não poderão jamais amar. Os outros homens, por tolos que sejam, têm essa faculdade. Nisso reside seu segredo." |
"Só, talvez, que procuras demais, que de tanta busca não tens tempo para encontrar coisa alguma." |
Tive o prazer de ler essa obra. Descobrir qual a trejatória que o personagem irá fazer na busca desse sentido, das respostas às suas perguntas inquietantes. Cada parada, pois tinha que voltar à realidade, fazia-me refletir sobre suas percepções e atitudes. Na retomada da leitura, mudanças de pensamentos e novas reflexões. Gostei muito mesmo! Parabéns pela resenha e as belas imagens. Deu vontade de também assistir ao filme!! Espero que esteja a altura do livro. Abraços!
ResponderExcluirMuito boa essa análise do livro e da vida do autor.
ResponderExcluirBacana a resenha! Obrigado.
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