quarta-feira, 21 de maio de 2014

Resenha: "As minas do Rei Salomão" (H. Rider Haggard, 1885)


L&PM Editores; 240 páginas
"Não vos apresseis, homens brancos!  A morte está à vossa espera e não foge! Para quê vos esfalfar, correndo para ela? Certa e segura a tendes!(Gagula, a velha feiticeira)

Escrito em 1885 por Henry Rider Haggard (1856 - 1925), "As minas do rei Salomão" é o livro ideal para estimular o gosto pela leitura nos jovens. A narrativa é ligeira, com trama descomplicada e direta, e sem digressões metafísicas: pura ação, como seria de esperar da narração em primeira pessoa pelo protagonista Allan Quatermain, que, já de início, se desculpa pela ausência de floreios retóricos e de valor literário da parte de quem está mais adaptado ao uso da carabina que ao da pena. Além disso, o próprio autor tinha o público jovem em... mira.

Henry Rider Haggard
Haggard escreveu sua obra mais famosa na Inglaterra, mas inspirado em sua jornada de cerca de 7 anos (1875 - 1882) na África do Sul, deixando o continente do início do neo-imperialismo europeu, a "Partilha da África", quando as nações "civilizadas" entraram em corrida para fatiar a "Terra Negra" entre si. A descoberta de diamantes em Kimberley (África do Sul, 1866) acelerou a exploração europeia, e Haggard dá voz à bruxa Gagula, denunciando "o vil desejo do coração do branco". Haggard também estava lá durante a "Guerra Anglo-Zulu" (1879) e a "Primeira Guerra dos Bôeres" (1880/1881), entre britânicos e africâneres (população de origem holandesa, alemã e francesa), o que lhe deu subsídios para diversos de seus livros, a começar por este.

"As minas do Rei Salomão" é a primeira novela em inglês cuja história transcorre na África. É também considerado o primeiro livro do gênero "Mundo Perdido", que inspiraria outras ficções, incluindo, quase um século depois, a franquia "Indiana Jones" (1981). Por ser o primeiro do gênero, o autor teve dificuldades para encontrar quem o publicasse. O primeiro que se dispôs a isso, por sua vez, teve dificuldade de reimprimir em velocidade o livro, que se tornou um sucesso imediato, excitando a imaginação dos leitores ("o livro mais extraordinário jamais escrito"), já curiosos com a descoberta de ruínas de uma civilização perdida africana, "O Grande Zimbábue", descobertas no século XVI pelos portugueses e, em 1867, por um caçador alemão, dando origem à tese de que teriam sido construídas por fenícios e replicariam o palácio da rainha de Sabá, elementos esses que aparecem no best-seller de Haggard.

O mapa das minas e o reino dos kakuanas.
Em seu texto, são mencionadas caçadas a elefantes (aliás, execrável caçada a elefantes!), as caravanas de exploradores, as agruras do deserto e das serras geladas, as relações com os nativos (especialmente a astúcia do homem branco em explorar a supersticiosidade autóctone), uma revolução intertribal, e, claro, a busca pelo tesouro perdido do rei bíblico Salomão. O capítulo II mostra a única ilustração do livro, o mapa desenhado com o próprio sangue pelo único europeu a encontrar as minas, um explorador português, que, todavia, não viveu para reclamar sua posse. Não é por acaso que o livro é um dos mais populares até os dias de hoje!

Escrito na Era Vitoriana, o livro contém passagens que ilustram o espírito da época, a ideia da superioridade da raça branca e, todavia, do valor do guerreiro zulu. Algumas vezes, utiliza  o termo "cafre" para se referir ao negro, palavra de origem árabe, "kafir", que significa "infiel". No entanto, Haggard têm ideias avançadas para seu tempo, argumentando, por exemplo, através de seu personagem Allan Quatermain, que "conheço cafres nus que o são [i.é, "gentlemen"], e conheço cavalheiros chegados de Inglaterra, com grandiosas malas e anéis de armas nos dedos, que o não são", reafirmando a nobreza por caráter, não por nascimento.

Guerreiro zulu (1866). 
Segundo Quatermain,
o povo kakuana é de raça zulu.
Enfim, além da diversão garantida pela aventura (e pelo humor!), o próprio leitor também chega às últimas páginas com um vasto tesouro. Em alemão, a palavra "Wortschatz" significa, literalmente, "tesouro de palavra", isto é, "vocabulário". Através da tradução de Eça de Queiroz (1845 - 1900), o leitor se enriquece com a linguagem do famoso escritor português. Apenas para exemplificar, a palavra "aringa" (campo fortificado) é a tradução dada ao original "kraal", que, curiosamente, é um termo africâner originado do português "curral"!

De domínio público, original e tradução estão disponíveis no Projeto Gutemberg. Claro, com a grafia do século passado!
  1. "King Solomon's mines": http://www.gutenberg.org/files/2166/2166-h/2166-h.htm
  2. "As minas do Rei Salomão": http://www.gutenberg.org/files/22015/22015-h/22015-h.htm

Um comentário:

  1. Uma história de aventura! Relembrar os filmes passados na "Sessão da Tarde", mas com a qualidade que qualquer enredo de um livro proporciona (desculpem-me, mas ainda não vi um filme que estivesse a altura do livro). Como pessoa bem informada (cof cof) e com base na resenha, já fiz a compra do livro e pretendo lê-lo para deixar aqui minhas impressões a respeito. Obrigada pela dica! Abraços.

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