Crônica de uma morte anunciada é um livro curto, de fácil e
rápida leitura, mas nem por isso deixa de ser uma construção
fascinante, devido à narrativa brilhantemente executada e
profundamente marcada pela poesia.
A obra inicia com a revelação, logo nas primeiras linhas, do seu
esperado desfecho, mas, curiosamente, isso não prejudica sua
capacidade de envolver o leitor até suas derradeiras páginas, na
medida em que o suspense é deslocado para outros aspectos
relacionados ao evento principal, a morte de Santiago Nasar.
A narrativa é contada em forma de reconstrução jornalística por
um amigo de Santiago Nasar anos após o ocorrido e se desenvolve com
a superposição de versões apresentadas pelas pessoas que estiveram
próximas a ele no último dia de sua vida, a partir das quais vai se
montando um quebra-cabeça cheio de incertezas, esquecimentos e
contradições, cujas peças vão se encaixando pouco a pouco.
Aqui reside um dos pontos interessantes de Crônica de uma morte
anunciada, a viagem pela memória coletiva e de como ela pode ser
esquiva, ou até mesmo enganosa.
A trama dos irmãos Vicário para matar Santiago Nasar, motivada pela
necessidade de resgatar a honra da família, embora premeditada e
conhecida por toda comunidade, jamais será evitada, pois ninguém
consegue alertar Santiago Nasar a tempo de salvá-lo de seu trágico
fim, paradoxo sintetizado com maestria pelo autor na frase “A
fatalidade nos faz invisíveis”.
Chama a atenção, ainda, o absurdo de pouco ter sido feito para
impedir que os irmãos Vicário matassem Santiago Nasar, dada a
relutância em adotar medidas mais efetivas por parte daqueles que
sabiam da iminência de seu assassinato e a casualidade com que
alguns encararam o fato.
Os acontecimentos que conduzem à morte de Santiago Nasar têm como
ponto de partida o fim do casamento entre o misterioso Bayardo San
Roman e a jovem Ângela Vicário, com a descoberta, ainda durante a
noite de núpcias, de que sua esposa não era virgem.
Mesmo instruída por sua mãe sobre alguns truques para tentar
ludibriar o noivo, Ângela Vicário, tomada pelo nervosismo, não
consegue colocá-los em prática, e Bayardo San Roman acaba
descobrindo o segredo que tentava esconder e a devolve para família
durante a madrugada, após o casamento realizado na noite anterior.
Agredida pela mãe e pressionada a revelar quem a teria desonrado,
Ângela Vicário acusa Santiago Nasar, não sendo possível precisar
o real motivo que a levou a comprometê-lo, ou se, com essa
revelação, estaria protegendo quem realmente amava.
A partir de então, seus irmãos saem em busca de Santiago Nasar para
matá-lo, com objetivo de resgatar a honra da família, manchada pelo
casamento desfeito, anunciando suas intenções para todos que
encontravam pelo caminho.
A título de curiosidade, cumpre destacar que Crônica de uma
morte anunciada é baseada em fatos ocorridos no ano de 1951 e
que vitimaram um grande amigo de Gabriel Garcia Marquez, conforme
reportagem publicada no jornal La Republica (Link:
http://www.larepublica.pe/16-10-2011/el-crimen-que-gabo-no-invento).
A obra também foi transformada em filme nos anos 80, que está
disponível no Youtube (Link:
https://www.youtube.com/watch?v=bSrOEsji2fU).
(Por Thiago Rabelo Maia)
Valeu, Thiago!
ResponderExcluirFiquei curioso e já encomendei o livro com a Leila :-))) Quero ver como esse camarada mantém nosso interesse numa histório cujo desfecho já é conhecido! Além disso, nunca li nada de autores hispano-americanos...
Sou muito suspeito pra falar de autores latino-americanos, pois são os meus preferidos. Além do Garcia Marquez, recomendo os romances do Vargas Llosa e Mario Benedetti.
ExcluirSim, a encomenda foi feita e já está separado para a entrega! E ratifico o teor da resenha: li e gostei muito do ritmo dado pelo escritor ao enredo dos fatos. Achei curiosa a informação de que o relato se baseou num fato verídico! Quem será que imita quem: a arte ou a vida? Abraços e parabéns pelo texto, Thiago.
ResponderExcluirLeitura muito ligeira, tamanha a fluidez da linguagem do autor. Em poucas horas! Embora simples, há algo como um estilo estrutural na forma imaginativa com que os eventos são narrados. Por exemplo, mesmo sem sabermos como é o rosto do protagonista, as referências estratégicas a seus repetidos gestos de adeus nos
Excluirtornam partícipes de sua despedida e nos fazem testemunhas dessa lembrança como os verdadeiros circunstantes do caso.
Ao terminar de ler este livro, o sentimento é de total perplexidade, tal como o juiz que assentou nos autos do processo que "a fatalidade nos torna invisíveis". Se o leitor desavisado nutre alguma esperança com seu título, é algo que se dissipa já na primeira frase do texto, que profetiza às avessas um passado inescapável.
Acompanhamos com interesse total o desenrolar dos eventos que levam a um desfecho já conhecido de antemão, e talvez contribua pra isso a intuição de que o personagem principal não é nenhum dos referidos nominalmente na obra, mas o espírito daquela sociedade (seus hábitos, costumes, clichês morais e preconceitos) que de fato engendrou, acumpliciou e tornou impune um crime que apagou gratuitamente a vida de... um de nós! De fato, será que agora mesmo minha própria morte não está sendo anunciada de forma tão normal que me tenha tornado surdo à sua sensibilidade?
Valeu, Thiago, pela sugestão! Valeu, Leila, pelo empréstimo!
Fico muito feliz que tenhas gostado. E espero que outros leitores se sintam motivados, pela resenha e comentários deixados aqui, para dar uma lida, nem que seja por curiosidade, nesta obra de tirar o fôlego. Eu quem agradeço a contribuição seja como autor de resenhas seja como leitor do blog, deixando suas impressões a respeito do que publicamos. Abraços e até a próxima leitura!
ExcluirValeu, Daniel. Bacana você ter gostado do livro do Garcia Marquez. Vamos prosseguir nessa jornada pela literatura latino-americana.
Excluir