Alguns momentos nos marcam profundamente, conforme os sentimentos que estamos vivendo: o primeiro dia de aula, a primeira professora, o primeiro amor, o primeiro beijo... Para mim, dentre as experiências atinentes ao mundo do conhecimento, incluo neste rol a primeira vez que eu comprei um livro. O primeiro livro comprado e lido por mim, fruto da minha escolha, motivada pela curiosidade. Inesquecível, sem dúvida nenhuma. Graças a ele, o universo das letras impressas passou a ter um outro valor. Não era o mundo dos adultos ou das leituras obrigatórias: passou a ser o meu mundo.
Como toda criança, tinha a impressão de que tudo era muito grande a minha volta: os meus pais, a casa onde morávamos, o quintal. O fato de ser pequena, magrelinha e desengonçada, contribuía ainda mais para essa sensação. No meio de outras crianças, não tinha destaque: não era boa nas brincadeiras de bola (morria de medo dela, na realidade!); perdia mais bolinhas de gude do que conseguia ganhar; e se esconder, decididamente, nunca foi meu forte até hoje. Nas brincadeiras de competição, tinha pena da outra equipe quando perdia (uma breve amostra do mundo competitivo que enfrentaria, mal sabia eu...), mas também lamentava quando era a minha que se encontrava nesta situação (será que eu não me dediquei o suficiente para ajudar a vencer?). E assim, tudo girava em minha volta, como tinha que ser em tão tenra idade.
Mas na escola, para meu espanto, percebi que conseguia ser boa em algo: fazer as tarefas de casa. Recebia elogios da professora por isso. Assim, consegui me sentir importante, ainda que fosse uma virtude que o grupo, do qual queria tanto fazer parte, não admirasse. Parte do tempo sentia-me como se fosse mera coadjuvante que vive sonhando com o papel principal do filme. Não entendia que cada pessoa tem seu próprio roteiro. Aprendi, no entanto, que escrever com uma letra bonita ou ler sem gaguejar eram atividades escolares que me rendiam uma massagem no ego.
Como toda criança, tinha a impressão de que tudo era muito grande a minha volta: os meus pais, a casa onde morávamos, o quintal. O fato de ser pequena, magrelinha e desengonçada, contribuía ainda mais para essa sensação. No meio de outras crianças, não tinha destaque: não era boa nas brincadeiras de bola (morria de medo dela, na realidade!); perdia mais bolinhas de gude do que conseguia ganhar; e se esconder, decididamente, nunca foi meu forte até hoje. Nas brincadeiras de competição, tinha pena da outra equipe quando perdia (uma breve amostra do mundo competitivo que enfrentaria, mal sabia eu...), mas também lamentava quando era a minha que se encontrava nesta situação (será que eu não me dediquei o suficiente para ajudar a vencer?). E assim, tudo girava em minha volta, como tinha que ser em tão tenra idade.
Mas na escola, para meu espanto, percebi que conseguia ser boa em algo: fazer as tarefas de casa. Recebia elogios da professora por isso. Assim, consegui me sentir importante, ainda que fosse uma virtude que o grupo, do qual queria tanto fazer parte, não admirasse. Parte do tempo sentia-me como se fosse mera coadjuvante que vive sonhando com o papel principal do filme. Não entendia que cada pessoa tem seu próprio roteiro. Aprendi, no entanto, que escrever com uma letra bonita ou ler sem gaguejar eram atividades escolares que me rendiam uma massagem no ego.
Mas no ano de 1987, cursando a 2ª Série do 1º Grau (atual Ensino Fundamental), aconteceu algo que iria me acompanhar por alguns anos e refletiria por toda a minha vida. Li num livro de português o trecho de um romance: descrevia um menino que ia com os irmãos conhecer a nova casa. Chegando lá, cada um correu para escolher a sua árvore, não restando ao pequeno muitas opções, pois não fora tão rápido. Assim, sua irmã (de quem ele mais gostava) resolve ajudá-lo a procurar por uma. Encontraram um pé de laranja lima, pequeno e modesto, em nada se comparando às demais árvores frondosas e imponentes do quintal. Enquanto, inconformado, reclamava da má sorte, o pequeno pé de laranja lima começou a lhe falar, deixando-o assustado! Todavia, a curiosidade era maior do que o impulso de sair correndo aos berros. A partir daí, firmou-se um laço de amizade inigualável entre ele e o menino.
O trecho terminava aí.
Não sabia o que havia acontecido antes, e nem depois. A história do menino que encontra no pé de laranja lima a amizade que preenche seu coração tocou o meu, tão pequeno quanto o dele na época. Fazer os exercícios de interpretação do texto, dentre outras atividades propostas, não me eram mais importantes. Eu queria, queria muito saber o que aconteceu com aquele menino. Como ele chegara naquela casa. E, se de fato, o pé de laranja lima continuaria a lhe falar.
Não sabia o que havia acontecido antes, e nem depois. A história do menino que encontra no pé de laranja lima a amizade que preenche seu coração tocou o meu, tão pequeno quanto o dele na época. Fazer os exercícios de interpretação do texto, dentre outras atividades propostas, não me eram mais importantes. Eu queria, queria muito saber o que aconteceu com aquele menino. Como ele chegara naquela casa. E, se de fato, o pé de laranja lima continuaria a lhe falar.
Todavia, ter livros não era algo muito comum na minha vida escolar, e nem na familiar. Não pensei em falar com alguém sobre o ocorrido. Era algo distante a ideia de ler um romance naquela idade. Afinal, só havia um trecho do livro. Não percebia que poderia ser mais do que uma pequena história, mas sim parte de uma obra bem maior do que a página de um livro paradidático.
Os anos seguiram, a vida mudou, assim como a minha percepção em relação ao que se vive. Por alguma razão, quando cursava a 6ª Série (1991), comentei com o colega o interesse que tinha de encontrar o livro do qual havia lido um pedaço (ainda permanecia na lembrança esse sentimento). Foi quando ele comentou que o tinha. Querendo, poderia me vender. Claro que eu queria (não conseguia acreditar que fosse verdade)! Minha primeira compra parcelada. Economizei o dinheiro da merenda para poder completar o valor - não quis pedir da minha família; era algo só meu, difícil de explicar.
E foi assim que, pelo valor de Cr$ 800,00, adquiri meu primeiro livro, "O Meu Pé de Laranja Lima" de José Mauro de Vasconcelos: "História de um meninozinho que um dia descobriu a dor..."
Eu o li numa única tarde (ou teria levado dias? Agora não tenho certeza... só tenho a sensação de que o tempo parou e só voltou a andar depois que eu o terminei). Interrompia a leitura para enxugar as lágrimas e criar coragem de continuar em alguns capítulos mais dramáticos. Ao fim, quando voltei à realidade, o enredo e seus personagens já faziam parte da minha alma. E, com saudades, iria ler mais algumas outras vezes, mesmo sabendo como tudo terminaria (e choraria, e sorriria nas mesmas passagens). Descobri, então, um mundo do qual eu me sentia fazendo parte. Agora eu tinha um grupo que me aceitava e dividia comigo suas histórias, sentimentos e confidências. Eu os compreendia, e eles estavam sempre a mão quando eu precisava, num simples abrir de página.
Ainda tenho o livro. Tocá-lo e relê-lo é como uma máquina do tempo, que permite o encontro da pessoa que sou hoje com a pequena pessoa que eu era, quando passei meus dedos e olhos pela primeira vez em suas folhas. E, nesse encontro, ainda sinto o peito doer e compreendo a tristeza do menino. Por que era tão difícil para os adultos entenderem o seu coração?
Com este marco, a leitura de outros livros foram inevitáveis. Processo natural de quem adentrou um lugar encantador e transformador. Este refúgio fez-me criar laços e deixou-me marcas. Não havia mais volta: as letras fariam parte da minha vida, seja explicando sentimentos, acrescentando conhecimento, ou só fazendo o tempo passar com mais prazer.
Com este marco, a leitura de outros livros foram inevitáveis. Processo natural de quem adentrou um lugar encantador e transformador. Este refúgio fez-me criar laços e deixou-me marcas. Não havia mais volta: as letras fariam parte da minha vida, seja explicando sentimentos, acrescentando conhecimento, ou só fazendo o tempo passar com mais prazer.
Resgatar esta passagem da minha infância, tão significativa, serve para demonstrar quanto um livro pode determinar o interesse de uma criança pelo universo da escrita. Quando pequenos, as verdades que nos são ensinadas são únicas, e o mundo é tão somente aquele que visualizamos com os nossos pequenos olhos. Com a leitura, magicamente, nossa realidade não é mais só essa... e os nossos olhos agora veem também o que se passa no coração. E a solidão de outrora, que nos faz pequenos de novo, deixa de existir quando estamos com o livro certo ao lado da cabeceira, seja a idade que for.
E você, caro(a) leitor(a), fale para nós, qual livro conquistou seu coração e selou em definitivo a amizade com o universo literário?
E você, caro(a) leitor(a), fale para nós, qual livro conquistou seu coração e selou em definitivo a amizade com o universo literário?
Leila, coincidência ou não este também foi o primeiro romance que eu li. A parte que mais me emocionou foi o a da morte do Português. O menino que não tinha quase nada perdeu tudo que tinha. Chorei em várias passagens, particularmente nesta. Li várias vezes e corri a leitura para ver se não havia algum engano, algum truque do escritor. Não podia ser verdade.
ResponderExcluirAcho que foi aí que comecei a tomar consciência das perdas que temos durante a nossa vida. Eu que já tinha perdido meu amigo Foguinho entendia melhor a dor do menino. Toda a perda é sofrida e faz parte do nosso crescimento e evolução. Já no nascimento temos a nossa primeira perda: o aconchego da barriga da nossa mãe. Quando nasce um irmão(â) perdemos um pouco da atenção dos nossos pais. Depois, muito depois, descobrimos que ganhamos um irmão(ã). Assim é a vida, ganhamos novos amigos e “perdemos” (Marcos, Xavier ...) outros.
Em relação ao seu texto, gostei muito, principalmente quando você fala da menina magrelinha e desengonçada, que não levava jeito com jogos de bola ou de esconder. Neste particular eu era o seu contrário, me saía muito bem nos jogos com bola e de correr. Isso me ajudou muito a conseguir novos amigos. Parabéns pela coragem de escreve e te expor. Continue neste caminho. Escrever é uma arte que precisa ser aprendida, mas que só se aprende praticando. Escreva, escreva sempre, mesmo quando não estiveres inspirada. A inspiração aparece depois de alguns minutos. Se precisar ouça antes uma música ou leia alguma poesia, isso pode ajudar.
Que surpresa saber que este foi o teu primeiro romance! Como pode... tanto tempo que te conheço, e este detalhe me era desconhecido. Também fiquei muito emocionada nesta passagem. Como não poderia ter um final feliz a história do menino com quem eu tanto me identificava? Mas a verdade é que as histórias tem o final que seguem os seus personagens. E, neste romance, temos o amadurecimento como temática principal: pelo amor, e também pela dor. As perdas e ganhos fazem parte de todo esse processo da vida. E sim, espero continuar escrevendo, com a tua ajuda e do meu amigo Daniel, revisores de plantão. Almejo que o sonho de escrever amadureça cada vez mais. É uma sensação maravilhosa produzir algo e soltar no mundo, acreditando que podemos contribuir um pouquinho para o nosso crescimento e de mais alguém que se identifique. Obrigada pela visita, e espero vê-lo outras vezes.
ExcluirEpa! Esse Daniel sou eu!
ExcluirMas não exatamente um revisor... mais para um tipo de oportunista :-)
Porque:
"O ferro se aguça com o próprio ferro. Assim um homem aguça a face de outro" (Provérbios 27:17)